segunda-feira, 21 de março de 2011

Feliz Dia Mundial da Poesia

Marc Chagall, Os Amantes



carrego o teu coração comigo

carrego o teu coração comigo(carrego-o em
meu coração)nunca estou sem ele(onde
eu vou tu vais, querida; e o que é feito
só por mim és tu que fazes, meu amor)
eu não temo
nenhum destino(tu és o meu destino, meu doce)eu não quero
outro mundo (pela tua beleza ser o meu mundo, minha verdade)
e tu és seja o que for que a lua signifique
e o que quer que o sol cante sempre és tu

aqui está o segredo mais profundo que ninguém sabe
(a raíz da raíz e o botão do botão
e o céu do céu da árvore chamada vida; a qual cresce
mais alto do que a alma espera ou a mente esconde)
e este é o milagre que mantém as estrelas separadas

carrego o teu coração( carrego-o em meu coração)

(e.e.cummings)

sábado, 19 de março de 2011

Pull A String, A Puppet Moves

Dora Maar, Man Ray

each man must realize
that it can all disappear very
quickly:
the cat, the woman, the job,
the front tire,
the bed, the walls, the
room; all our necessities
including love,
rest on foundations of sand -
and any given cause,
no matter how unrelated:
the death of a boy in Hong Kong
or a blizzard in Omaha ...
can serve as your undoing.
all your chinaware crashing to the
kitchen floor, your girl will enter
and you'll be standing, drunk,
in the center of it and she'll ask:
my god, what's the matter?
and you'll answer: I don't know,
I don't know

Charles Bukowski

sábado, 12 de março de 2011

Zeitgeist


Professores portugueses: precários e à rasca décadas antes de estar na moda e ser chique.

segunda-feira, 7 de março de 2011

A cantiga é uma arma


Os agarradores e agarradoras de pérolas em choque deste país ainda não conseguiram recuperar da escolha dos Homens da luta para nos representar na Eurovisão. Mas que é isto, uma coisa destas a representar-nos? Meu deus, que irão os estrangeiros pensar de nós?
Sem me querer armar em mais esperta que toda a gente, devo dizer que calculei este resultado. A minha surpresa, diga-se, foi o resultado dos críticos, que pensei que fossem mais influenciados pelo zeitgeist.
Somos, enquanto povo, queixinhas, protestadores de café. Queixamo-nos e criticamos tudo com grande veemência, desde que não nos seja pedido fazer nada. Os Deolinda, outros cantadores do momento, escreveram aquela que resume a nossa natureza enquanto povo melhor que o Eduardo Lourenço em toda a sua obra literária. Somos como diz o seu Movimento Perpétuo Associativo.

Agora sim, cantamos com vontade!
Agora sim, eu sinto a união!
Agora sim, já ouço a liberdade!
Vamos em frente, e é esta a direcção!

-Agora não, que falta um impresso...
-Agora não, que o meu pai não quer...
-Agora não, que há engarrafamentos...
-Vão sem mim, que eu vou lá ter...

Para além deste nosso lado passivo-agressivo que se queixa mas pouco faz, esta música vai ao encontro do nosso nado brejeiro e gozão, o nosso lado de humor negro que faz piadas acerca de cuecas de cortiça e saca-rolhas dias depois da tragédia. É o lado Gil Vicente e Bocage, o lado de desgarradas escabrosas minhotas e cassettes de anedotas.
Mas aquilo por que esta música nos agarra, o seu factor de atracção maior é esta imensa familiaridade no visual e no léxico, uma mãozinha a agarrar directamente o nosso coração nostálgico e a apertar suavemente. Nós, os filhos da revolução, e por conseguinte a primeira geração fluente em tecnologia, crescemos a ver e ouvir falar de luta e revolução. Ouvimos o Pedro Barroso e vimos o histórico e comovente concerto de Zeca Afonso, tivemos a Natália Correia a falar de Mátria e o Sérgio Godinho a fazer-nos programas infantis. Enquanto crescemos houve PREC, FMI e FP-25 de Abril. Os Homens da Luta evocam em nós o espírito de luta que nos ensinaram e que não concretizámos: dedicámo-nos a criar filhos e pedir empréstimos, somos politicamente amorfos. Reconhecemos o reconfortante espírito de luta como uma coisa de infância, mas pouco mais podemos fazer para o resolver.
O irónico desta nostalgia e desta identificação fácil é que não abarcamos, no geral, nem os mais novos, o verdadeiro âmbito deste pastiche do discurso revolucionário. Eles não se limitam a evocar, mas a parodiar esta nossa tradição de lamúria e passividade, o saudosismo perpétuo daquilo que poderia ter sido e não foi. E só por isso, merecem ir ao festival. E viva a capacidade de nos rirmos de nós...



quinta-feira, 3 de março de 2011

Cosmogonia e integridade artística no universo Gaga


Os primeiros três minutos do video Born this way da Lady Gaga, são, lamento dizê-lo, fantásticos. E digo que lamento porque infelizmente acontece-me sempre o mesmo com videos dela: componentes visuais fortes e excitantes como pano de fundo a pop genérico, ultimamente com um perturbador travo a Madonna.
Aquilo que me confunde no universo Gaga é a aparente amálgama sem nexo entre a alta arte, indo buscar referências bastante armadas ao carapau culto e o pop trashy que agora está muito em voga. Não tenho nada contra artistas armados ao carapau culto que não comprometem nunca a sua integridade artística (não é por acaso que Tom Waits é um dos meus artistas favoritos), como também não tenha nada contra pop descomplexado e assumidamente xunga. O que me incomoda na Lady Gaga é esta mistura estranha: um bife não é um iogurte e pronto.
Mais me incomoda a canibalização que está a fazer da carreira da Madonna, pelo que de deliberado apresenta. É como se o aprendiz pegasse na fórmula do feiticeiro e a replicasse, só que acrescentando umas luzinhas e assim para disfarçar. Porque debaixo dos vestidos de carne e dos ovos e das fotos de rabo ao leu e sapatos excêntricos, aquilo que está ali é uma nova versão da Madonna, um cover não particularmente inspirado, ainda por cima.
Compreendo que não seja fácil ser-se artista mulher. Para os homens é facil ser-se rockstar, para as mulheres nem por isso, têm nichos muito próprios de mercado, o angry chick rock, o pop delicodoce e pouco mais. A única que conseguiu ser famosa três décadas foi a Madonna, pelo que emular-lhe a forma de chegar ao topo até faz sentido. Não é é particularmente íntegro.
Talvez seja uma romântica ao acreditar que os artistas devem ser fiéis a si próprios, as coisas no mundo da música são motivadas pelos cifrões, como tudo na vida, pelo que até se percebe. Mas caramba, cada um tem se ser ele mesmo, é isso que torna todas as formas de arte tão profundamente extraordinárias: serem o reflexo de uma visão única e irrepetível do mundo.
De modos que dou por mim a pensar que a Lady Gaga é um pouco como o seminal video Born this way: trinta por cento de pçuro génio e setenta de lugares comuns esquecíveis e sem alma.