quinta-feira, 3 de março de 2011

Cosmogonia e integridade artística no universo Gaga


Os primeiros três minutos do video Born this way da Lady Gaga, são, lamento dizê-lo, fantásticos. E digo que lamento porque infelizmente acontece-me sempre o mesmo com videos dela: componentes visuais fortes e excitantes como pano de fundo a pop genérico, ultimamente com um perturbador travo a Madonna.
Aquilo que me confunde no universo Gaga é a aparente amálgama sem nexo entre a alta arte, indo buscar referências bastante armadas ao carapau culto e o pop trashy que agora está muito em voga. Não tenho nada contra artistas armados ao carapau culto que não comprometem nunca a sua integridade artística (não é por acaso que Tom Waits é um dos meus artistas favoritos), como também não tenha nada contra pop descomplexado e assumidamente xunga. O que me incomoda na Lady Gaga é esta mistura estranha: um bife não é um iogurte e pronto.
Mais me incomoda a canibalização que está a fazer da carreira da Madonna, pelo que de deliberado apresenta. É como se o aprendiz pegasse na fórmula do feiticeiro e a replicasse, só que acrescentando umas luzinhas e assim para disfarçar. Porque debaixo dos vestidos de carne e dos ovos e das fotos de rabo ao leu e sapatos excêntricos, aquilo que está ali é uma nova versão da Madonna, um cover não particularmente inspirado, ainda por cima.
Compreendo que não seja fácil ser-se artista mulher. Para os homens é facil ser-se rockstar, para as mulheres nem por isso, têm nichos muito próprios de mercado, o angry chick rock, o pop delicodoce e pouco mais. A única que conseguiu ser famosa três décadas foi a Madonna, pelo que emular-lhe a forma de chegar ao topo até faz sentido. Não é é particularmente íntegro.
Talvez seja uma romântica ao acreditar que os artistas devem ser fiéis a si próprios, as coisas no mundo da música são motivadas pelos cifrões, como tudo na vida, pelo que até se percebe. Mas caramba, cada um tem se ser ele mesmo, é isso que torna todas as formas de arte tão profundamente extraordinárias: serem o reflexo de uma visão única e irrepetível do mundo.
De modos que dou por mim a pensar que a Lady Gaga é um pouco como o seminal video Born this way: trinta por cento de pçuro génio e setenta de lugares comuns esquecíveis e sem alma.



Sem comentários: