segunda-feira, 7 de março de 2011

A cantiga é uma arma


Os agarradores e agarradoras de pérolas em choque deste país ainda não conseguiram recuperar da escolha dos Homens da luta para nos representar na Eurovisão. Mas que é isto, uma coisa destas a representar-nos? Meu deus, que irão os estrangeiros pensar de nós?
Sem me querer armar em mais esperta que toda a gente, devo dizer que calculei este resultado. A minha surpresa, diga-se, foi o resultado dos críticos, que pensei que fossem mais influenciados pelo zeitgeist.
Somos, enquanto povo, queixinhas, protestadores de café. Queixamo-nos e criticamos tudo com grande veemência, desde que não nos seja pedido fazer nada. Os Deolinda, outros cantadores do momento, escreveram aquela que resume a nossa natureza enquanto povo melhor que o Eduardo Lourenço em toda a sua obra literária. Somos como diz o seu Movimento Perpétuo Associativo.

Agora sim, cantamos com vontade!
Agora sim, eu sinto a união!
Agora sim, já ouço a liberdade!
Vamos em frente, e é esta a direcção!

-Agora não, que falta um impresso...
-Agora não, que o meu pai não quer...
-Agora não, que há engarrafamentos...
-Vão sem mim, que eu vou lá ter...

Para além deste nosso lado passivo-agressivo que se queixa mas pouco faz, esta música vai ao encontro do nosso nado brejeiro e gozão, o nosso lado de humor negro que faz piadas acerca de cuecas de cortiça e saca-rolhas dias depois da tragédia. É o lado Gil Vicente e Bocage, o lado de desgarradas escabrosas minhotas e cassettes de anedotas.
Mas aquilo por que esta música nos agarra, o seu factor de atracção maior é esta imensa familiaridade no visual e no léxico, uma mãozinha a agarrar directamente o nosso coração nostálgico e a apertar suavemente. Nós, os filhos da revolução, e por conseguinte a primeira geração fluente em tecnologia, crescemos a ver e ouvir falar de luta e revolução. Ouvimos o Pedro Barroso e vimos o histórico e comovente concerto de Zeca Afonso, tivemos a Natália Correia a falar de Mátria e o Sérgio Godinho a fazer-nos programas infantis. Enquanto crescemos houve PREC, FMI e FP-25 de Abril. Os Homens da Luta evocam em nós o espírito de luta que nos ensinaram e que não concretizámos: dedicámo-nos a criar filhos e pedir empréstimos, somos politicamente amorfos. Reconhecemos o reconfortante espírito de luta como uma coisa de infância, mas pouco mais podemos fazer para o resolver.
O irónico desta nostalgia e desta identificação fácil é que não abarcamos, no geral, nem os mais novos, o verdadeiro âmbito deste pastiche do discurso revolucionário. Eles não se limitam a evocar, mas a parodiar esta nossa tradição de lamúria e passividade, o saudosismo perpétuo daquilo que poderia ter sido e não foi. E só por isso, merecem ir ao festival. E viva a capacidade de nos rirmos de nós...



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